quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Todo Mundo Quer Ser Obama (6)

Eu sei que não sou perfeito. Bem sei que este vocábulo é, de per si, uma alusão ao impossível. Entendo porém, e nos meus melhores dias acreditei com enorme entusiasmo, que a perfeição é o inverso da auto-aceitação. É, antes, uma espécie de auto-acolhimento às avessas. É a busca de um homem por algo que jamais encontrará em si mesmo, é a negação de sua essência. Sei também que viver não é, simplesmente, se deixar corromper inconscientemente pela realidade mais evidente e, contraditoriamente, insensível que, a todo instante, me impede de olhar e ver aquilo que ela realmente é.

Olho para os representantes de meu país, e olho para trás por quinhentos anos de história, e vejo, diante de mim, apenas parlapatões! Muitas vezes me perguntei se não sou, eu mesmo, um deles. Sinto que é difícil a resposta, mas sinto felizmente que é esse meu lado entusiástico, esse querer estar acordado diante de mim mesmo, sempre questionando quem sou - embora não possa definir-me definitivamente, nem para onde caminho - que faz da minha espera, não uma esperança, mas uma crescente vontade de continuar caminhando, redescobrindo e reconstruindo tudo aquilo que direta ou indiretamente não fui eu quem fez, mas que direta ou indiretamente eu deixei se fazer.

É possível que um dia eu veja, não talvez por meus próprios olhos, que consegui(mos), de alguma forma, descortinar a nossa própria "verdade". Que conseguimos enfrentar nossas mentiras olhando para aquilo que matreiramente fingimos que somos e assim construir uma "verdade" realmente nossa. E que ela, seja qual for, nos torne verdadeiramente quem, essencialmente, somos. Quem sabe então os "Obamas" deixem de existir, aí poderemos apenas ser quem somos, definidos somente por nossa própria e humana "verdade".

Todo Mundo Quer Ser Obama (5)

Certamente, para os americanos, é "verdade" que o racismo existe, por isso eles o enfrentam. É "verdade" que o terrorismo existe, por isso eles o enfrentam, é "verdade" que a guerra existe, por isso eles a enfrentam, é "verdade" que egoísmo existe, por isso eles o enfrentam, é "verdade" que o conflito existe por isso eles o enfrentam, é "verdade" que o indivíduo existe por isso eles... o respeitam, ou se fazem respeitar, ou aprendem a respeitá-lo, ou aprendem a conviver em sociedade diante da "verdade" individual de cada um.

Mas e para nós brasileiros? Quais as nossas verdades? Sabemos quais são? Temos alguma? Construímos ou estamos construindo alguma verdade?

Ainda ontem assisti ao filme sobre o músico, norte americano, Ray Charles. E se fiquei impressionado com a história individual de dificuldades por que passou aquele homem, nascido em meados da primeira metade do sec. XX, que, além de cego aos 7 ou 8 anos, era negro em um país no qual até a década de 1960, não podia sentar-se na parte da frente dos ônibus públicos, por ser considerado um ser humano inferior, confesso que o que mais me lançou à reflexão foi lembrar-me que não apenas ele, mas outros tantos, antes dele, passaram por dificuldades semelhantes e ainda assim jamais fracassaram. Era a primeira metade do século XX...

Louis Armistrong, Nat King Cole, entre muitos outros, já sabiam o que era alcançar o status de celebridade em um país de minoria absoluta de raça negra - perto de 20% da população americana - sem qualquer apoio, sem, talvez, grandes esperanças, mas, e provavelmente isso tenha feito a diferença, em uma sociedade que se construiu, ao longo do tempo, acreditando em si mesma e em sua própria verdade. A verdade na qual você é responsável por si mesmo e por seus atos, e que eles serão o alicerce que sustentará quem você é, ou quem você se tornou, até o último de seus dias.

Todo Mundo Quer Ser Obama (4)

O recém-eleito, e em seguida defenestrado, presidente, mais do que qualquer coisa, era, como todos os que se seguiram depois dele, uma necessidade catártica, espécie de autoflagelação a qual nos impomos na esperança de que - não suportando a própria realidade que, íntima, não é mais do que uma "amostra" da realidade comum - possamos deixar o "ser" que expomos para nos tornarmos o "ser" que essencialmente somos. Aqui, é preciso dizer que somos continuamente descobertos e redescobertos por nós mesmos e nos tornamos, a cada instante, quem somos.

Habituamos-nos a tudo. Quase sempre me pergunto o que faz com que me submeta a tantas coisas, tantas situações insólitas e tão possíveis de serem evitadas, rompidas, mas ao mesmo tempo tão abraçadas, tão consumidas, como se fosse nosso último ato, como se estivéssemos diante de nossa última possibilidade de realização, ainda que inconscientemente, de nós mesmos.

Olho adiante, para Barack Obama, e não vejo simplesmente um negro que chegou ao máximo poder no país mais rico e poderoso do mundo. Não! Obama é muito mais que isso! É mais que essa visão simplória. Vejo Obama como reflexo de uma nação baseada, fundamentalmente, em princípios sólidos. Em uma história sólida de coragem, enfrentamento, realizações, mas principalmente e antes de tudo, reflexo daquilo que vejo em mim, como o mais básico de mim mesmo, para que consiga conviver com o outro que não sou eu: uma história construída sobre a verdade. Não a verdade absoluta, filosófica, idílica, ideal, mas a verdade real, humana, tocável, e de cada um que participa da construção da realidade que se faz constantemente.

Todo Mundo Quer Ser Obama (3)

Há alguns anos, partindo de um otimismo profundo, e até mesmo exacerbado, que habita em mim inexoravelmente, vivi momentos da história muito importantes para o meu país. Vi, ainda muito jovem, ser eleito, presidente do Brasil, um jovem de 39 anos que afirmava ser o nosso grande salvador. O ano era 1989. Não quero entrar aqui em questões de mérito, que me seriam tão desagradáveis quanto a qualquer um que confiasse todas as suas expectativas e responsabilidades ao síndico de seu prédio, ou condomínio, como se possível fosse tomar para si, ou entregar de si para outrem, as faculdades de se alimentar, trabalhar ou, mesmo, os mais íntimos e rudimentares atos de necessidades ou de prazer.

Pensar que cada passo que damos, cada ato, cada fato que se nos impõe, cada passagem de nossa vida é, no fundo de cada um, a manifestação última de esperança de que as coisas se resolvam por si, - sem que sejamos os atores principais, sem que tomemos parte diretamente na ação que a todo instante transforma e ao mesmo tempo mantém, a custa de nossa covardia e inatividade, as coisas como estão - me fez por vezes duvidar de minha própria sanidade.

Incoerentemente, e contraditoriamente, penso sempre em mim lembrando-me do que nos ensinou Leonardo Boff, em seu livro "A Águia e a Galinha", quando diz que ao mesmo tempo em que queremos voar, e voamos alto, estamos enraizados no chão. Somos a um só tempo águia e galinha. Desejamos que as coisas mudem, mas no fundo tememos pela mudança. Nossa vontade, inevitavelmente e determinantemente, é o moto-contínuo que nos faz ser, cada um de nós, quem somos, e ao mesmo tempo nos tornar aquele que continuamente nos tornamos.

Todoo Mundo Quer Ser Obama (2)

Não sou senão a expressão e o reflexo daquilo que me rodeia, me impregna, me constrói e me desconstrói continuamente, passo-a-passo. Reflexo da realidade presente. É desse ponto que parto para dizer do mundo o que o mundo quer dizer de si mesmo por intermédio de minhas indizíveis palavras.

Por isso, vendo a recente eleição do presidente americano Barack Obama e, ao mesmo tempo, olhando para as pessoas que me cercam, em todos os lugares, em todas as mídias, em todas as partes e em todos os espaços, percebi o quanto todo mundo quer ser Obama. Por quê? Certamente não penso que o mundo inteiro esteja errado. Não em querer ser Obama, afinal ele é, e nada depõe contra isso, alguém que venceu barreiras aparentemente intransponíveis. Mas aqui cabe a pergunta: intransponíveis para quem? Onde? E quando? Seriam mesmo intransponíveis?

Acredito que as perguntas respondem-se por si mesmas. Só pode ser considerada intransponível uma realidade da qual não se cogita. Uma realidade onde a possibilidade de realização ainda não foi discutida, sequer cogitada. Então qual o motivo, principalmente entre nós, brasileiros que somos, e sempre tão "complacentes, de estarmos tão eufóricos com a eleição do Sr. Obama?

Todo Mundo Quer Ser Obama (1)




Pensando essa manhã sobre a eleição americana constatei mais uma vez o quanto somos responsáveis, cada um de nós, por tudo que nos afeta diretamente, ou indiretamente, neste mundo. Entendam que nem sempre pensei assim, houve tempo em que encontrar um responsável ou um culpado para os meus problemas era mais urgente que resolvê-los. Ah!... Como é bom saber que esse tempo ficou para trás, como é bom ter a certeza de que se o amanhã não me for tão gratificante como é o meu hoje eu não poderei apontar qualquer culpado senão eu mesmo!

Aos poucos esse espaço que tem por objetivo abrir para os outros e para o mundo um pouco do olhar que lanço para fora de mim mesmo, e que por isso mesmo não é senão uma pequena visão que traço ou interpreto da realidade que se nos apresenta, vai ganhando forma e se distinguindo, se distanciando, se fazendo por si só.

Sei que tudo que escrever estará eivado da pessoalidade, inerente, inefável, de alguém que avança em idade, mas que, ainda assim, conta com apenas 43 anos incompletos. Nem por isso mais experiente que qualquer pessoa que se imponha, como necessidade básica, olhar para fora de si, mas com um olhar que, no fundo, não é outra coisa que não o acumulado de sua formação, de sua origem genética, e fundamentalmente de sua cultura.